18.10.09
Tolices Brasileiras
Apesar da sua pequena relevância intrínseca, gostaria de tecer aqui duas ou três considerações acerca do episódio da actriz brasileira, Maitê Proença, que, na semana passada, alvoroçou parte da comunidade portuguesa.
Sentiu-se esta justamente despeitada com a suposta peça humorística em que aquela actriz zombava do paciente e generoso povo português, o mesmo que, para certa mentalidade brasileira, permanece amodorrado numa persistente e irredimível boçalidade, resistente a todo o impulso da roda da História e do Progresso.
Sentiu-se esta justamente despeitada com a suposta peça humorística em que aquela actriz zombava do paciente e generoso povo português, o mesmo que, para certa mentalidade brasileira, permanece amodorrado numa persistente e irredimível boçalidade, resistente a todo o impulso da roda da História e do Progresso.
Também fui ver a dita peça da infeliz actriz brasileira, que, na verdade, deixou ali uma péssima ideia da sua valia profissional, bastante meritória, diga-se, embora longe do excepcional.
Com efeito, a senhora pretendeu gozar com a nossa gente, que é também gozar com a sua, porque os brasileiros, gostem ou não, são uma invenção lusa, muito mais do que italiana, alemã ou outra, como por vezes parecem querer apresentar, pela atenção que lhes dedicam, em especial nas telenovelas de consumo popular.
Tudo aquilo que a desastrada senhora faz nesse vídeo é de uma pobreza artística confrangedora, assente na maior inanidade intelectual. Não fosse ela ter troçado de símbolos maiores da nossa e da sua cultura e o caso não ganharia tanto significado.
Mas a senhora ousou conspurcar nada menos que a bela e poética Sintra, na sua boca uma « vilazinha » perto de Lisboa, o Mosteiro do Jerónimos, a jóia rara manuelina que o senso artístico português legou ao Património da Humanidade, e até Camões surge chamado àquela mixórdia, imaginadamente humorística que ela vai enxertando no vídeo agora mostrado em Portugal.
O facto de ele se referir a um programa televisivo de há dois anos não lhe retira gravidade. Nele vemos ainda um grupo de elegantes mulheres brasileiras em airosa cavaqueira, todas tomadas de gáudio com a troça que Maitê faz de Portugal e dos Portugueses.
Ameaça, pelo visto, eternizar-se este vezo de os brasileiros invariavelmente troçarem de Portugal. A produção de inúmeras anedotas a este respeito parece ter-se tornado uma actividade extremamente popular por parte dos nossos putativos irmãos do outro lado do Atlântico.
Diz-se que este fundo de ressentimento contra Portugal vem do tempo em que o Brasil foi sua colónia e nessa qualidade tratada pela Metrópole.
Custa, na realidade, a aceitar que tenha perdurado até hoje tal ressentimento, porque a maturidade dos quase duzentos anos da nação brasileira já o deveria ter dissolvido, no conjunto da herança legada, que inclui, lembremo-lo, o território imenso, uno, coeso, indiviso, ligado por uma Língua culta e bela, assi mesmo reconhecida pelos maiores poetas e escritores brasileiros, uma religião, a católica, largamente maioritária, que lhe conferiu uma feição civilizacional semelhante à que na Europa resultou da contribuição cultural greco-latina e cristã, tudo isto deveria ter sido mais do que suficiente para relegar para segundo plano os factos negativos sempre associados, de forma desajustada, porém, a uma relação de país colonizador para com país colonizado.
Acontece que os actuais brasileiros mais azedados com a herança lusíada são os descendentes de portugueses e outros europeus, ou seja, os mais directos beneficiários dos privilégios dos colonizadores.
Se fossem os descendentes dos Índios, primitivos habitantes da terra brasílica e seus legítimos senhores, ainda poderíamos compreender certo fundo de animosidade, não completamente desvanecido, pelo choque e pelo esbulho territorial sofridos com a introdução no seu meio dos europeus, no caso, os portugueses, embora esta tenha sido sempre a sina das relações entre os povos, desde os mais longínquos tempos.
Por regra, os povos puseram-se em marcha em busca de terras, de riqueza e do desconhecido e os mais apetrechados culturalmente exerceram domínio sobre os restantes, uma vezes por aceitação voluntária destes, outras, talvez a maioria delas, pela violência, pela superioridade técnica das armas usadas, etc., etc.
Com o rolar dos séculos, a apreciação que se faz destes choques tem mudado. Assim, hoje, aqui na Península Hispânica, considera-se um bem a chegada dos Romanos, pelo seu legado civilizacional.
Coisa muito diversa deveriam os antigos Lusitanos ter achado, a julgar pelas guerras de guerrilha que lhes moveram, persistentes, que só o suborno e a traição de alguns companheiros do chefe dos Lusitanos, o lendário Viriato, permitiram aos romanos levar de vencida a tenaz resistência lusitana.
No Brasil, deve ter-se passado algo de semelhante com os Índios, que ali «dormiam» legitimamente o seu sono civilizacional, contentes com a cultura que tinham, numa prática de povos recolectores, caçando e pescando, quando tinham fome e dançando as suas danças, em honra dos seus deuses protectores quando os queriam invocar.
Até que apareceram uns barbudos que, admirados das suas vergonhas expostas, na linguagem pitoresca da célebre carta de Vaz de Caminha ao rei Manuel, sempre um Manuel, para despertar a ira brasílica, pretenderam civilizá-los, pô-los a rezar ao Deus verdadeiro, a trabalhar para benefício alheio, o que, compreensivelmente, não lhes deve ter caído nada bem.
Curiosamente, não são os descendentes destes povos que hoje hostilizam ou surgem a escarnecer dos portugueses, mas sim os seus continuadores na dominação, de quem os indígenas terão porventura ainda mais razão de queixa, pela contínua prática de exploração a que os têm submetido.
Enfim, já nos distanciámos algo da nossa patética Maitê, que, eu próprio, imaginaria intelectualmente mais dotada, já porque, dizem, escreve livros, coisa que exige reflexão, para além do domínio das regras gramaticais, coisa que certos brasileiros teimam em considerar como herança afrontosa, limitadora da sua fértil imaginação criativa, apesar dos numerosos bons exemplos dos seus compatriotas, que têm enriquecido o património comum da Língua, libertos dessa pretensa subjugação espiritual de origem portuguesa.
Resta-nos esperar que sejam os próprios brasileiros a dar-se conta do absurdo em que vivem, quando alimentam esses ressentimentos contra Portugal, terra de onde partiram aqueles a quem mais devem a sua existência cultural, onde existe uma generalizada simpatia para com o Brasil, comprovada numa presença bastante assídua de manifestações culturais brasileiras, na rádio, na televisão, no teatro, no cinema, em contraste com a sua quase ausência de reciprocidade.
Portugal gosta do Brasil, ainda que pareça tratar-se de um amor não correspondido, sente orgulho em ter criado aquela grande Nação e olha para ela com a indulgência natural de um Pai ante as irreflectidas ofensas de um filho, as travessuras praticadas em prova de afirmação de personalidade, sempre esperançado em que o avançar dos anos lhe traga a desejada sensatez, o equilíbrio das avaliações patrimoniais, para com ele se congraçar em verdadeiro gozo de mútua compreensão.
Desejemos, pois, que melhor inspiração caia sobre a cabeça desta elegante actriz brasileira, que aqui teve um péssimo momento da sua não despicienda vida artística, até associada a coisas portuguesas.
Vimo-la, com genuíno apreço, no excelente filme da adpatação do romance de Ferreira de Castro, A Selva, em que ela, no papel da insatisfeita D. Iá-Iá, contracena com o nosso então ainda nascente galã Diogo Morgado, no papel de Seu Alberto, moço letrado, expatriado, ali perdido na selva amazónica, comendo o pão que o diabo amassou, com a cabeça toldada pela insinuante presença de D. Iá-Iá, a nossa inefável Maitê, aqui ainda em plena posse dos seus melhores atributos.
Dizem-nos que Maitê está arrependida e já pediu desculpa aos Portugueses do seu desatinado acto. Esperemos que a declaração seja sincera e que o seu comportamento futuro disso mesmo nos convença.
Com efeito, a senhora pretendeu gozar com a nossa gente, que é também gozar com a sua, porque os brasileiros, gostem ou não, são uma invenção lusa, muito mais do que italiana, alemã ou outra, como por vezes parecem querer apresentar, pela atenção que lhes dedicam, em especial nas telenovelas de consumo popular.
Tudo aquilo que a desastrada senhora faz nesse vídeo é de uma pobreza artística confrangedora, assente na maior inanidade intelectual. Não fosse ela ter troçado de símbolos maiores da nossa e da sua cultura e o caso não ganharia tanto significado.
Mas a senhora ousou conspurcar nada menos que a bela e poética Sintra, na sua boca uma « vilazinha » perto de Lisboa, o Mosteiro do Jerónimos, a jóia rara manuelina que o senso artístico português legou ao Património da Humanidade, e até Camões surge chamado àquela mixórdia, imaginadamente humorística que ela vai enxertando no vídeo agora mostrado em Portugal.
O facto de ele se referir a um programa televisivo de há dois anos não lhe retira gravidade. Nele vemos ainda um grupo de elegantes mulheres brasileiras em airosa cavaqueira, todas tomadas de gáudio com a troça que Maitê faz de Portugal e dos Portugueses.
Ameaça, pelo visto, eternizar-se este vezo de os brasileiros invariavelmente troçarem de Portugal. A produção de inúmeras anedotas a este respeito parece ter-se tornado uma actividade extremamente popular por parte dos nossos putativos irmãos do outro lado do Atlântico.
Diz-se que este fundo de ressentimento contra Portugal vem do tempo em que o Brasil foi sua colónia e nessa qualidade tratada pela Metrópole.
Custa, na realidade, a aceitar que tenha perdurado até hoje tal ressentimento, porque a maturidade dos quase duzentos anos da nação brasileira já o deveria ter dissolvido, no conjunto da herança legada, que inclui, lembremo-lo, o território imenso, uno, coeso, indiviso, ligado por uma Língua culta e bela, assi mesmo reconhecida pelos maiores poetas e escritores brasileiros, uma religião, a católica, largamente maioritária, que lhe conferiu uma feição civilizacional semelhante à que na Europa resultou da contribuição cultural greco-latina e cristã, tudo isto deveria ter sido mais do que suficiente para relegar para segundo plano os factos negativos sempre associados, de forma desajustada, porém, a uma relação de país colonizador para com país colonizado.
Acontece que os actuais brasileiros mais azedados com a herança lusíada são os descendentes de portugueses e outros europeus, ou seja, os mais directos beneficiários dos privilégios dos colonizadores.
Se fossem os descendentes dos Índios, primitivos habitantes da terra brasílica e seus legítimos senhores, ainda poderíamos compreender certo fundo de animosidade, não completamente desvanecido, pelo choque e pelo esbulho territorial sofridos com a introdução no seu meio dos europeus, no caso, os portugueses, embora esta tenha sido sempre a sina das relações entre os povos, desde os mais longínquos tempos.
Por regra, os povos puseram-se em marcha em busca de terras, de riqueza e do desconhecido e os mais apetrechados culturalmente exerceram domínio sobre os restantes, uma vezes por aceitação voluntária destes, outras, talvez a maioria delas, pela violência, pela superioridade técnica das armas usadas, etc., etc.
Com o rolar dos séculos, a apreciação que se faz destes choques tem mudado. Assim, hoje, aqui na Península Hispânica, considera-se um bem a chegada dos Romanos, pelo seu legado civilizacional.
Coisa muito diversa deveriam os antigos Lusitanos ter achado, a julgar pelas guerras de guerrilha que lhes moveram, persistentes, que só o suborno e a traição de alguns companheiros do chefe dos Lusitanos, o lendário Viriato, permitiram aos romanos levar de vencida a tenaz resistência lusitana.
No Brasil, deve ter-se passado algo de semelhante com os Índios, que ali «dormiam» legitimamente o seu sono civilizacional, contentes com a cultura que tinham, numa prática de povos recolectores, caçando e pescando, quando tinham fome e dançando as suas danças, em honra dos seus deuses protectores quando os queriam invocar.
Até que apareceram uns barbudos que, admirados das suas vergonhas expostas, na linguagem pitoresca da célebre carta de Vaz de Caminha ao rei Manuel, sempre um Manuel, para despertar a ira brasílica, pretenderam civilizá-los, pô-los a rezar ao Deus verdadeiro, a trabalhar para benefício alheio, o que, compreensivelmente, não lhes deve ter caído nada bem.
Curiosamente, não são os descendentes destes povos que hoje hostilizam ou surgem a escarnecer dos portugueses, mas sim os seus continuadores na dominação, de quem os indígenas terão porventura ainda mais razão de queixa, pela contínua prática de exploração a que os têm submetido.
Enfim, já nos distanciámos algo da nossa patética Maitê, que, eu próprio, imaginaria intelectualmente mais dotada, já porque, dizem, escreve livros, coisa que exige reflexão, para além do domínio das regras gramaticais, coisa que certos brasileiros teimam em considerar como herança afrontosa, limitadora da sua fértil imaginação criativa, apesar dos numerosos bons exemplos dos seus compatriotas, que têm enriquecido o património comum da Língua, libertos dessa pretensa subjugação espiritual de origem portuguesa.
Resta-nos esperar que sejam os próprios brasileiros a dar-se conta do absurdo em que vivem, quando alimentam esses ressentimentos contra Portugal, terra de onde partiram aqueles a quem mais devem a sua existência cultural, onde existe uma generalizada simpatia para com o Brasil, comprovada numa presença bastante assídua de manifestações culturais brasileiras, na rádio, na televisão, no teatro, no cinema, em contraste com a sua quase ausência de reciprocidade.
Portugal gosta do Brasil, ainda que pareça tratar-se de um amor não correspondido, sente orgulho em ter criado aquela grande Nação e olha para ela com a indulgência natural de um Pai ante as irreflectidas ofensas de um filho, as travessuras praticadas em prova de afirmação de personalidade, sempre esperançado em que o avançar dos anos lhe traga a desejada sensatez, o equilíbrio das avaliações patrimoniais, para com ele se congraçar em verdadeiro gozo de mútua compreensão.
Desejemos, pois, que melhor inspiração caia sobre a cabeça desta elegante actriz brasileira, que aqui teve um péssimo momento da sua não despicienda vida artística, até associada a coisas portuguesas.
Vimo-la, com genuíno apreço, no excelente filme da adpatação do romance de Ferreira de Castro, A Selva, em que ela, no papel da insatisfeita D. Iá-Iá, contracena com o nosso então ainda nascente galã Diogo Morgado, no papel de Seu Alberto, moço letrado, expatriado, ali perdido na selva amazónica, comendo o pão que o diabo amassou, com a cabeça toldada pela insinuante presença de D. Iá-Iá, a nossa inefável Maitê, aqui ainda em plena posse dos seus melhores atributos.
Dizem-nos que Maitê está arrependida e já pediu desculpa aos Portugueses do seu desatinado acto. Esperemos que a declaração seja sincera e que o seu comportamento futuro disso mesmo nos convença.
AV_Lisboa, 18 de Outubro de 2009
A Política Honrada que Falta
Há momentos em que nos sentimos redimidos da luta que travamos pela objectividade na Política, procurando sempre analisar os fenómenos políticos, pelo que eles são em si mesmos e não em função do interesses particular ou do proveito que cada grupo neles encontre ou deles deseje retirar.
Sei que muitos não crêem nesta possibilidade, contrapondo que, na Política, só existem opiniões baseadas na subjectividade de cada grupo ou indivíduo. Esta visão, maioritária, sem dúvida, nasce da orientação meramente imediatista, oportunista e hedonista típica da época em que vivemos.
Com ela se formou a presente mentalidade que tudo mede pelo mais razo materialismo, como se a Humanidade contasse já os seus últimos dias de prazer e neles buscasse, com sofreguidão, o Carpe Diem dos Romanos, no esplendor da sua inelutável e terminal decadência.
Mas, se isto é assim para as maiorias que marcam o comportamento colectivo da época actual, cumpre reconhecer que, como em todos os tempos, continua a existir quem se recuse a ir na enxurrada, persistindo em ver com os seus próprios olhos e em avaliar com a sua própria inteligência os fenómenos que vão ocorrendo à sua volta.
Têm estas palavras que ver com o que se passou no País, nas semanas que precederam os dois últimos actos eleitorais, oportunamente verberado no justíssimo artigo intitualdo « Está Tudo Doido em Portugal » que José António Saraiva escreveu no Sol, no passado dia 9 de Outubro.
Com este artigo, JAS voltou a provar que pertence à estirpe dos Saraivas, a começar pela do seu Pai, o saudoso e eminente historiador da cultura portuguesa, António José Saraiva, autor de obras luminosas de sabedoria e originalidade, quer no domínio literário, historiográfico, político, quer mesmo no do estrito campo filosófico.
De resto, nos últimos anos e nas suas derradeiras obras era já evidente a sua forte inclinação reflexivo-filosófica, marcada por acentuada visão pessimista do nosso tempo, do ponto de vista intelectual, no entanto, extremamente estimulante, muito mais do que a dominante verborreia optimista, balofa, sem suporte na realidade.
Não admira que os acólitos incondicionais do Partido Socialista não tenham gostado deste artigo, como tampouco hão-de ter gostado do que esta semana JAS consagra ao humor televisivo dos Gatos Fedorentos, claramente contra a corrente do seu exaltado elogio, dado como novo boi Ápis da sociedade lusitana, que mantém subjugados quase todos os actuais agentes políticos, no seu espectro mais alargado.
Que crédito merecerá quem se mostra sempre disposto a justificar tudo aquilo que o seu Partido faz, ainda que contrariando a sua suposta doutrina, preceitos ou compromissos assumidos, promessas afirmadas, programas forjados e propostos com solenidade ao País deles expectante ?
Quem assim se comporta, procede mais como fanático membro de seita, do que como livre militante de uma organização política que se propõe lutar pelo bem comum da sociedade mais ampla a que pertence e não pelo exclusivo interesse daquela que apenas agrega os seus putativos correligionários.
Vê-se que, na actualidade, a Política em Portugal assenta numa hipocrisia circular que a todos toca e cativa, a par do comércio desmedido em que se atolou, na proporção em que esqueceu fundamentos e abandonou doutrinas, reduzindo tudo a jogos de interesses que têm de ser continuamente tecidos e atenciosamente servidos.
Tal espectáculo já a poucos surpreende e a menos ainda repugna. A prática política assim conduzida vai minando a sua credibilidade. Na verdade, na luta política não pode valer tudo. A luta política não deve servir para justificar todo o tipo de artimanha utilizado para desacreditar os adversários em presença, muito menos quando aquilo que distingue os contendores é, na verdade, escasso, em número e irrelevante, na ideologia.
Chega a ser desconcertante, analisar a pobreza ideológica ou doutrinal em que vivemos. Dir-se-ia que, politicamente, se deixou de pensar, porque aquilo a que se assiste é tão-só à discussão de formas de alcançar o Poder, técnicas de marquetingue adequadas a convencer as pessoas, o eleitorado a votar.
Uma vez no Poder os Partidos assemelham-se todos, tratam, fomentam negócios, se possível com contrapartidas imediatas ou a prazo, para quem os fomentou, individualmente ou para organizações, fundações ligadas aos Partidos a que os membros do Governo pertencem.
Se todos se resignarem com isto, a Política, como actividade nobre, acabou. Pelo visto, muita gente parece conformar-se com tal panorama, tanta, que até julga que vence, quando o seu Partido ganha eleições.
Talvez as multidões necessitem desta permanente ilusão. Por isso, gostam tanto de associar-se a algo ou alguém que lhes dizem ser vencedores.
Com o Futebol, desonrosa comparação, acontece o mesmo. As massas querem que o seu clube vença sempre, se não com mérito, mesmo sem ele, ainda que seja preciso fazer batota, como confessava a nossa simpática menina mandatária da juventude do Partido Socialista, a tal que prefere comer fruta sem caroços, nem grainhas ou então que haja empregadas que se ocupem da tarefa trabalhosa do seu desencaroçamento.
De resto, cada vez as pessoas assumem com a Política uma atitude semelhante à que mantêm com o Futebol, onde o que conta sempre e acima de tudo é vencer, ser campeão, altar em que se sancionam todos os meios, lícitos, semi-lícitos ou fraudulentos.
Infelizmente, a complacência com a corrupção e a desorganização do sistema judicial, acabam por premiar tão venais atitudes e tão ínvios caminhos trilhados na estrada do assim perseguido sucesso.
Como se poderá inverter esta tão desanimosa situação, se a maioria da população parece aceitá-la como inelutável, se não mesmo como normal ?
Talvez por isso alguns achem que a regeneração só poderá vir de cima, quando lá chegar alguém que a queira e a possa desencadear.
Porventura chamarão alguns a isto messianismo populista ou certo caudilhismo encapotado, mas, em alternativa, que poderão convincentemente preconizar, fora do ramerrão político-partidário em que temos vivido ?
Entretanto, deveremos continuar a denunciar o mal e a encomiar o bem. Que outra coisa resta a quem deseja permanecer na senda da decência humana ?
De novo e sempre : Nihil desperandum...
AV_Lisboa, 17 de Outubro de 2009
7.10.09
Interlúdio Eleitoral
Passaram já dois meses desde que aqui deixei a última crónica intitulada «Os Grandes Comunicadores».
Entretanto, realizaram-se eleições legislativas a 27 de Setembro e dentro de dias, no próximo Domingo, teremos eleições para as autarquias locais, perfazendo, desde as eleições para o Parlamento Europeu, quatro intensos meses de agitação e propaganda política, entontecendo um pouco mais este pobre povo, manso e crédulo, sempre levado em artificiosas romarias, aí pretensamente matando a sua pesada e já algo longa frustração política pós-abrilina.
Desde há cerca de três lustros que o País não apresenta crescimento económico significativo, sendo que em 4/5 deles tem sido governado pela longa e difusa mão de um Partido Socialista ideologicamente descaracterizado, rendido entusiasticamente às doutrinas económicas e financeiras do neoliberalismo e da globalização dos mercados, apesar das tentativas de disfarce dos últimos meses, meramente retóricas, quando a derrocada financeira americana se tornou evidente aos olhos de todo o Mundo.
Sócrates vencedor em 27 de Setembro passado, mesmo sem maioria absoluta, não deixa de constituir uma injustiça política, assente num equívoco popular de graves consequências.
Podem dizer que as alternativas eram fracas ou pouco convincentes, mas o que se julgava, em primeiro lugar, era uma Política de quatro anos, durante os quais Sócrates, então com maioria absoluta, atrofiou economicamente o País, fazendo tudo ao contrário do que havia prometido, carregando nos impostos o mais que pôde, sem diminuir a despesa pública, que continou a aumentar, ao sabor do povoamento que ele ia promovendo, assegurando lugares aos seus apaniguados, esquecidos de doutrinas e de ideais remotamente socialistas, mas ciosos da sua influência sempre crescente no aparelho de Estado.
O partido que poderia e deveria combater severamente esta Política, o Partido Social Democrático, andou longe do caminho certo para travar este combate. Enredado em lutas internas fratricidas, sem norte durante largo tempo, reanimado com o súbito e enérgico aparecimento de Paulo Rangel, a quem, em grande parte, se ficou a dever a vitória eleitoral de Junho, não logrou encontrar o rumo adequado, nem a orientação que se esperava.
Manuela Ferreira Leite nunca teve instinto político para conduzir o Partido, apesar da sua determinação anti-socrática. Mal rodeada, mal aconselhada pelas nulidades costumeiras, não soube explorar as imensas fragilidades de Sócrates, permitindo-lhe pavonear-se pelo País como arauto da Modernidade balofa, quando não tola e com frequência venal, assistido por uma central de propaganda especialista em fabricar incidentes e em marcar agenda política, com a conivência da maioria da Comunicação Social, só se discutindo aquilo que interessava à dita Central socrática.
Nem a presença de JPPereira, com a sua reconhecida perspicácia política, parece ter contribuído para aumentar a clarividência da direcção da campanha de MFLeite.
Veja-se como rapidamente saiu da discussão pública o caso do afastamento de Moniz e Manuela Moura Guedes, para se debater o momentoso tema das escutas telefónicas da Presidência da República, mal gerido também por Cavaco Silva, que carece nitidamente de adequada assessoria estritamente política, goste o Presidente ou não desta matéria, a verdade é que sem ela não se ganham eleições, nem se exerce a gestão macro-económica do País.
Também em nada ajudou certamente a repescagem política feita por MFL de figuras desprestigiadas e sob suspeição ética permanente, fornecendo à Central socrática matéria para dispersão de atenções, em que é perita, mesmo sabendo que conta no seu seio com casos idênticos ou mais graves, a começar na figura do seu actual líder.
Tudo isto acabou por levar a nova vitória do embuste socrático, que nada de bom pode augurar para o País.
O Povo escolheu esta solução, o que, dentro das regras do sistema democrático vigente, por todos aprovado, tem de ser aceite, concordemos ou não com a opção tomada.
Isto, contudo, não representa mais nada, nem serve para sancionar mais coisa nenhuma, nada valendo como atestado de idoneidade intelectual, ética ou profissional, como nos lembram os múltiplos exemplos de vitórias eleitorais de autarcas envolvidos em processos de corrupção, alguns até já condenados em Tribunal.
A nova vitória do PS significa apenas que há uma maioria relativa de Portugueses que o preferiram a ele e não aos outros Partidos, para formar o próximo Governo de Portugal.
Cabe aos adversários do partido ora vencedor, nomeadamente ao PSD, reabilitado, reformulado, depurado da remanescente ganga anti-social-democrática que nele persiste, continuar a luta pela desmistificação da política «socrática» e esperar que o Povo fique persuadido da sua nocividade.
Se o souberem fazer, se afirmarem a sua própria credibilidade política, certamente que o Povo, no momento azado, mudará o seu sentido de voto.
Até lá, ânimo para o combate, porque, como diz este mesmo Povo, não há mal que sempre dure...
AV_Lisboa, 06 de Outubro de 2009